Catalogar este filme apenas como o último trabalho de Robert Redford seria incorreto. Tanto porque David Lowery promete bom cinema, mas mais porque o ator confirmou arrependimento em anunciar o seu fim profissional.
De qualquer forma, eis que recebemos mais um filme feito por gente cujas inspirações se enraízam no cinema old school. Depois do fenomenal “História de um Fantasma”, seria praticamente impossível que David Lowery se superasse. No entanto, ainda que não esteja de novo integralmente no seu campo autoral, o realizador e guionista de “Amor Fora da Lei” conta pela primeira vez uma história real – a de Forrest Tucker, um criminoso que assaltou dezenas de bancos e cometeu com sucesso 18 fugas da prisão.
Vê também: Stranger Things 3 já tem data de estreia marcada
Embora diversos factos tenham sido alterados, esta é decerto uma das mais charmosas histórias contadas na filmografia do cineasta americano. Tal permanecerá assim. O filme tem uma atmosfera e até uma definição digital típica dos velhos westerns, a imagem parece mais velha, mais gasta, deste modo adequando-se perfeitamente à história e ao arco minimalista do protagonista. Não só é o Robert Redford um experiente ator de faroestes, mas também uma das caras mais ecléticas de Hollywood. Consequentemente, a sua facilidade em expressar a vivacidade de um homem no fim da vida em busca de enriquecimento fácil e diversão durante a mesma viagem é fascinante. Naquele que poderá ser o seu último trabalho, o ator entrega uma enorme parte de si, dando uma das melhores interpretações da sua carreira nos últimos anos, possivelmente apenas derrotada pela sua prestação em “Quando Tudo Está Perdido”, de 2013.
E semelhante se pode dizer da maior parte do elenco. O Casey Affleck (pela terceira vez na lente de David Lowery) constrói um personagem interessantíssimo e, além de genuíno, bastante pacífico, diria até surpreendentemente pacífico para um polícia na grande tela. Quando estamos habituados a ver heist movies liderados por um criminoso sedento por dinheiro e pelo cumprimento das motivações familiares perseguido por um polícia rabugento lentamente a se autoavaliar, “O Cavalheiro com Arma” é uma lufada de ar fresco e dá-nos uma dupla de personagens distintos no cinema de 2018 – um criminoso amigável e alegre e um polícia numa crise de meia-idade que jamais expressa a sua frustração violentamente à volta dos seus entes queridos.
No entanto, algo mais podia ter sido feito em relação ao protagonista. Toda a sua personalidade educada, charmosa, bem-disposta e cavalheira (lá está) é bem desenvolvida, mas se a sua infância fosse esmiuçada mais detalhadamente podíamos obter mais informações sobre o impulso/motivação que lhe levou durante décadas a assaltar bancos com os dois amigos. O David Lowery trata o assunto com uma simplicidade estonteante. Não que isso comprometa diretamente o desenvolvimento do personagem principal, mas apenas deixa lá um ligeiro vazio. Nem que fosse através de uma cena de exposição ou de um flashback, isto podia ter sido resolvido.
E falando nos amigos do protagonista, o filme peca novamente. O trio Robert Redford, Danny Glover e Tom Waits funciona muito bem… porém só como um trio. Mais tarde, o filme compensa minimamente a falta de desenvolvimento dos dois personagens, mas já vem tarde. Não me importaria se o filme fosse mais longo, desde que fosse mais fácil criar empatia com os restantes criminosos. O Danny Glover e o Tom Waits têm talento a mais para tal superficialidade.
E existe ainda outro vazio, novamente no elenco. A Tika Sumpter apresentou-se em excelente forma em “Michelle e Obama – O Primeiro Encontro” e, tendo em conta o arco diferenciado do personagem do Casey Affleck, bem que se podia aproveitar a atriz outrora na pele de Michelle Obama. O casal tem química, carisma e pelo menos uma boa cena. Mas, novamente, fica aquela sensação de talento desperdiçado (e estreante) no ar.
E cedo aparece a Sissy Spacek com uma interpretação animada e perfeitamente complementar com a do Robert Redford. As conversas mundanas repletas de reflexões e provocações são orgânicas e a relação que nasce é genuína. E a Elisabeth Moss também está no filme, em apenas uma cena de forma perfeitamente competente.
A fotografia e a banda sonora são outros acertos. O Joe Anderson e o Daniel Hart (que trabalhou em “História de um Fantasma”) sabiam perfeitamente o que faziam. O primeiro é um olhar panorâmico e melancólico que constrói uma paleta acastanhada com toques ligeiramente dourados provenientes da era clássica dos Anos 60. O segundo é um belíssimo aglomerado de percussões energéticas e pianos agradavelmente sonolentos, terminando no maravilhoso tema ‘Blues Run the Game’, do Jackson C. Frank.
E o trabalho de câmara do David Lowery é a derradeira cereja no topo do bolo. Desde planos sequências nos bancos e nos corredores da estação policial, até à câmara estática que compõe os belíssimos diálogos do Robert Redford e da Sissy Spacek, passando também pela inundação de close-ups na cara do Casey Affleck, que acompanha o cansaço e tédio quarentão aproximados à dedicação de um homem de família e profissional dedicado.