Adam Driver e Marion Cotillard são os protagonistas de “Annette”, o primeiro filme em língua inglesa do visionário realizador francês Leos Carax.
“Annette” foi o Filme de Abertura do Festival de Cannes e venceu o prémio de Melhor Realização.
‘So May We Start’ é o número de abertura que junta o elenco, o realizador e a sua filha e os Sparks Brothers e um coro, enquanto caminham pelo estúdio e pelas ruas a anunciar o início desta nova experiência visual, com uma letra reflexiva da própria produção do filme:
« They hope that it goes the way it’s supposed to go
There’s fear in them all but they can’t let it show
They’re underprepared but that may be enough
The budget is large but still, it’s not enough »
Num ambiente colorido e festivo, o início de “Annette” é contrastante comparativamente ao mundo sombrio e cerebral a que vamos assistir durante o resto do filme, que se aproxima muito mais do universo de Carax que dos Sparks.
Quando um espectador vai ao cinema ver uma obra de Leos Carax tem de estar à espera de uma experiência bizarra e surreal, como o mais recente exemplo de “Holy Motors”, um brilhante filme que se estranha e depois se entranha.
No entanto, o problema de “Annette” é que apesar de toda a componente artística do realizador, peca exatamente nas letras das canções dos Sparks e numa montagem que não sabe tirar o maior proveito do material filmado.
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“We love each other so much” e “She’s out of this world” são dois exemplos de músicas que entram num loop profundo, com letras tão simples e repetitivas, que pouco ou nada acrescentam à narrativa de “Annette”, o que para uma obra que se apresenta como um filme cujo diálogo é quase todo em canções, torna-se rapidamente um problema.
As prestações de Adam Driver e Marion Cotillard são impecáveis e um dos pontos mais fortes do filme, contando ainda com um scene-stealer Simon Helberg, que faz muito com apenas duas cenas de maior destaque para a sua personagem.
Adam Driver apresenta uma personagem arrogante e desprezível, que funciona melhor nas suas interações com Cotillard e a bebé Annette, que nas demasiado extensas cenas de stand-up comedy, que prometiam ser provocadoras, mas que para tal necessitariam de linhas de diálogo bem mais fortes. Especialmente nas duas sequências mais compridas, que sem o impacto necessário, quebram por completo o ritmo do filme.
Por outro lado, uma impecável Marion Cotillard no papel de uma cantora soprano em plena ascensão mundial é a responsável pela ligação emocional do espectador com o filme. No entanto, assim que esta fica ausente durante uma parte considerável da narrativa, resta-nos apenas Driver e a bebé Annette (que reserva uma surpresa), numa metade cada vez mais inconsistente da história, que só é salva por um bom final, que quebra as metáforas e apresenta a realidade.
“Annette” tinha potencial para se tornar num clássico do cinema contemporâneo, e com uma montagem que reduzisse certas sequências do filme, até poderia ficar mais perto disso, pois ampliaria a viagem visual e sensorial, ao mesmo tempo que disfarçaria a fragilidade da componente narrativa.