Quem tem acompanhado a carreira de Nuno Markl soube imediatamente que estaria aqui um possível diamante, mal foi anunciado que estava a escrever uma série sobre os anos 80.
Este projeto já circulava há mais de uma década, qual vaivém, pelos recantos da mente de Nuno Markl. Para além de ter sido do seu cérebro que nasceu a ideia, Markl tem ainda o mérito acrescido de se ter rodeado das pessoas certas. Outro dos principais responsáveis pela execução de 1986 é Henrique Oliveira, o realizador. Noutros tempos, foi guitarrista (e membro fundador) dos Táxi. Não haverão certamente muitos atos musicais portugueses que melhor personifiquem os 80’s do que os Táxi.
1986, ano das mais competitivas eleições presidenciais na história da nossa democracia. Freitas do Amaral contra Mário Soares, ou como diria Eduardo, o ”Sacana do Facho” contra o ”Sacana do Bochechas”. Respetivamente, claro. Eduardo é sem dúvida uma das mais carismáticas personagens da série. É pai do personagem principal, Tiago, um autêntico mini-me de Nuno Markl. Juntamente com Sérgio (o seu melhor amigo metaleiro), a gótica Patrícia, a betinha Marta (por quem Tiago se apaixona) e o problemático Gonçalo, formam uma espécie de Breakfast Club de Benfica.
Há alguns pontos narrativos que são introduzidos mais tardiamente na série, mas isto em nada prejudica o desenvolvimento da mesma. Muito porque logo nos primeiros episódios, 1986 oferece-nos uma série de narrativas paralelas. A relutância de Marta em trabalhar no videoclube, a jornada de Sérgio rumo à perda da virgindade, a vida amorosa de Eduardo, entre vários outros pontos. As eleições acima referidas servem como pano de fundo a tudo o que vai acontecendo. Mais do que Freitas contra Soares, a série foca as dissensões entre os seus apoiantes. Trata-se verdadeiramente dum tema transversal na sociedade de 86′, não só presente na mente dos adultos, mas também dos jovens.
A própria caraterização, e até categorização bem delineada das personagens, é aqui um ponto positivo. Os estereótipos, que noutras produções são associados a uma simplicidade de conteúdos, encaixam em 1986 como uma luva.
O verdadeiro encanto de 1986, no entanto, está na recriação do espírito da época. Um dos aspetos mais curiosos dos anos 80 é a forma como as pessoas da altura imaginavam o futuro. E a série nunca esquece tal particularidade, que se vai manifestando através do uso de elementos como o Synthwave. Ah, a magia dos sonhos eléctricos… Não dá para fugir à importância da banda sonora original desta série. Nomes como João Só, Ana Bacalhau, Samuel Úria ou Lena D’Água fizeram um trabalho extraordinário.
E as referências? Bem, poderia dedicar um artigo inteiro unicamente às referências que nunca param de acumular ao longo da série. Locais como o videoclube, a rádio pirata de Tó e os quartos de Sérgio e Tiago são autênticos paraísos de alusão à cultura dos anos 80. Desde os filmes e da música, aos aparelhos como o ZX Spectrum ou às BD’s da época, tudo contribui para a criação de um setting verdadeiro e convidativo.
1986 vem provar, de forma definitiva, que é possível sentirmo-nos nostálgicos de um tempo que não vivemos.