Locke é uma viagem de carro com a duração de noventa minutos. Apenas isso.
Ok, não é bem assim. Locke é mais que uma viagem de Birmingham a Londres, é um one-man-show que Tom Hardy pilota com imenso sucesso. A premissa não poderia então ser mais simples. Ivan Locke, um engenheiro civil britânico, entra no seu carro ao sair do trabalho e recebe várias chamadas pelo caminho. É através destas chamadas e de algum diálogo solitário que ficamos a conhecer Locke e o homem que é. Da mesmo forma, vemos a sua vida desabar e tudo o que ama desaparecer. Vemos o pânico a instalar-se nos seus olhos, mas uma determinação crescente na sua voz. No final da sua viagem, Ivan Locke é um homem mudado. E nós, como espetadores, apenas podemos assistir a essa transformação intensa.
Tenho que admitir, nunca achei que iria gostar deste filme. Nunca tinha ouvido falar, e quase que me caiu no colo quando o vi pela primeira vez. Abruptamente, tornou-se num dos meus filmes favoritos. A estética fria, o trabalho de câmara fenomenal (que joga agilmente com o único espaço em que a ação se desenrola, o BMW de Locke), a prestação de Hardy que consegue muito bem fazer suar répteis de sangue frio. Nunca uma viagem de carro me agarrou tanto.
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Além da aparente simplicidade da trama, Locke aborda uma temática forte de uma forma bastante simples. O poder da decisão de Ivan e as suas possíveis consequências passam por uma dualidade pouco ou nada complexa, esquerda ou direita. Com isto, o filme dá com que pensar. Uma vida honesta e trabalhosa pode escapar pelo ralo mais pequeno, e muitas vezes somos nós que o abrimos. Uma palavra dita, um gesto feito, um esgar lançado, um abraço sentido, um beijo dado. Ou o que não se fez de todo. Uma hesitação, um receio. Aquele café que não se foi beber, aquela boleia que se apanhou, aquela rua pela qual não se passou naquele dia em específico, só porque sim.
Uma curva à direita, uma curva à esquerda.
Locke não é apenas uma viagem de carro de 90 minutos. É uma peça claustrofóbica que expõe um homem camada a camada, como se de uma cebola se tratasse. É um lembrete para estimarmos o que temos e para o aproveitar todos os dias.
Quando acabarem de ler, mandem uma mensagem aos que amam. Não custa nada, vá.