Estamos em junho, num solarengo dia em Southbank Londres onde o BFI celebra um dos grandes nomes do cinema italiano com a exibição dos seus filmes durante esse mês. Marco Bellocchio conta com mais de 40 anos de carreira e mais de 20 filmes debaixo do braço.
Eu tive a oportunidade de me sentar numa sala de cinema no BFI e conversar com este realizador sobre o que o faz ainda fazer filmes, o que para ele faz um bom filme e, como é costume nas nossas entrevistas, quem ele escolheria para realizar um filme sobre a sua vida.
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Marco Bellocchio nasceu na pequena cidade de Bobbio, em Itália. Mais tarde mudou-se para Milão, para estudar direito e filosofia. No entanto, cedo se apercebeu que aquela não era a vida que pretendia. Uma vida artística estava à sua espera. Passou então de ator a realizador, porque ser ator não lhe permitia expandir a sua criatividade como gostaria. E uma carreira assim nasceu.
Ao fazer filmes após tantas décadas o que mais haverá para aprender? Após tantos filmes que mistérios poderão existir mais para ele?
Se eu não tivesse mais nada para aprender então mais valia eu reformar-me! (risos) Há sempre maneiras novas de olhar para as coisas. Eu inspiro-me bastante nas historias que acontecem á minha volta e sinto-me envolvido de certa forma na sociedade onde pertenço. Mas também vejo temas de maneira diferente porque estou numa fase diferente da minha vida.
Quando visitamos a sua filmografia reconhecemos que a cada década há um novo estilo, uma nova revelação e uma aprendizagem. Um realizador que a cada década descobre algo novo sobre si mesmo e sobre a sua arte. O seu lado politico nos anos 60, o regresso ao cinema e o seu trabalho brilhante ao fazer uma produção televisiva da aclamada peça de Anton Chekhov “A Gaivota” nos anos 70, o seu lado mais experimental e psico-analítico nos anos 80/90 e a entrar no novo século com filmes como “O Sorriso Da Minha Mãe” e a “A Bela Adormecida” onde recebeu variadíssimos prémios e uma lugar de preferência nos cinéfilos mais novos.
Uma questão que me intriga em alguém com esta experiência é o que o faz ainda sentir-se apaixonado pelo cinema. Que elemento existe que quando ele entra num estúdio ou cenário para filmar o faça sentir – Este é o motivo pela qual eu amo o que faço.
Há tantos estágios diferentes quando fazes um filme. É o entusiasmo, o nascer de uma ideia, o momento em que o rascunho tem que se transformar em algo mais e o trabalho que isso implica. Os momentos de grande entusiasmo entrelaçados com momentos de trabalho árduo. O momento de verdade onde pisas um cenário e vês tudo a ganhar vida mas esse entusiasmo também vem das relações que vens vindo a estabelecer com as pessoas à tua volta. Isso faz com que tudo valha a pena.
Eu tenho esta perspetiva de um realizador como um maestro de uma orquestra onde este tem o dom de conduzir cada musico com precisão de maneira a que o produto final seja uma bela sinfonia. A relação entre realizador e ator sempre me fascinou. É quase um frente a frente de mentes artísticas onde ambos têm a sua própria noção da personagem e do momento que essa personagem, ou personagens, está a viver.
Para Marco Bellocchio esta é uma relação que foi mudando ao longo da sua experiência.
É uma espécie de confronto mas também é uma relação aberta. Tens que estar aberto à possibilidade de dares direções que às vezes voltam para ti. És forçado de certa forma a confrontares as tuas próprias ideias, contigo mesmo.
Vivemos numa era do cinema onde efeitos especiais, super-heróis e franchises dominam as salas de cinema e talvez no meio de tanta oferta o cinema mais pessoal e íntimo fique um pouco no escuro. Mas os filmes de Marco Bellocchio estão longe de ser enfadonhos e prolongados.
São uma lupa em situações e emoções. Uma abordagem diferente de temas que não necessitam de uma roupagem de efeitos especiais.
Para dizer a verdade a única coisa que posso fazer, enquanto realizador, é fazer o melhor filme possível. Não entro na categoria de filmes de super-heróis porque prefiro trabalhar com personagens baseadas em experiências pessoais. Só consigo mergulhar em coisas que conheço. Porem não posso adivinhar o que o publico irá ou não gostar, posso sim, fazer o melhor filme possível!
Ao rever o trabalho deste realizador é quase impossível não reparar da influencia da religião católica nos seus filmes.
Para um realizador que menciona e traz tantas vezes este tema, eu pergunto-me, e a ele também, se é algo importante para ele como pessoa ou se apenas o faz quando a historia assim o exige.
Tenho que reconhecer que a minha educação católica teve, e talvez ainda tenha, uma presença no meu comportamento, na minha relação com as mulheres e como me relaciono com as mulheres. Mas eu vejo o corpo da Igreja não de maneira filosófica mas como uma entidade poderosa. No passado fiz um filme que de certa forma foi uma sátira onde a personagem principal quer se separar da imagem santificada da mãe e que a coloca num asilo onde mais tarde a Igreja a quer canonizar. É quase como querer batalhar com um fantasma. Não consegues vencer um fantasma e isso só te irá trazer tragédia. No mesmo espírito de Macbeth ou Hamlet cujos fantasmas os levam à destruição.
Para terminarmos a nossa entrevista faço a minha questão de quem gostaria que realizasse um filme sobre a sua vida. Marco ri-se e a sua tradutora também. Em décadas a fazer cinema ele nunca pensou em tal pergunta.
Não estou preparado! Na verdade nunca pensei nisso… Porém como dirijo workshops, numa cidade perto de onde vivo, com a minha família talvez eles sejam a escolha adequada para isso!”
A nossa entrevista chega ao fim e Marco Bellocchio não foi o que eu esperava de um realizador com 79 anos. Uma energia incrível, paciente, bem humorado e pronto para falar sobre cinema de maneira profunda e sem grandes floreados. Uma inteligência que não nos deixa sentir menor ou deslocados de alguma forma. Convida-nos a entender e a procurar mais nos filmes, sejam dele ou não, e olhar para a Sétima Arte exactamente como isso: Arte.