Durante o RainDance Film Festival tive a oportunidade de me sentar num clube privado com a realizadora Gina Hole Lazarowich e o modelo Krow Kian para falarmos do documentário “Krow’s TRANSformation”.
“Krow’s TRANSformation” é um documentário que segue todo o processo de transição de género do modelo Krow Kian. Numa sociedade onde ainda existe preconceito em relação aos transgéneros, trazemos-te a perspectiva e os conselhos de quem assistiu a esta transição, e de quem passou realmente passou por ela.
A nossa sociedade está em constante evolução, mas há ainda muitos assuntos tabu ou simplesmente informação falsa no que diz respeito a certos temas. Mas se há algo que eu acredito que o cinema de documentário é capaz de fazer, é trazer a informação correcta e de forma interessante para a audiência. Esse é o caso deste documentário. “Krow’s TRANSformation” segue o percurso de uma jovem modelo (internacional) na sua transição para homem. Desde pequeno Krow nunca se sentiu mulher e tomou a decisão de se TRANSformar naquilo que realmente sempre foi: homem. Mas o que é que fez com essa decisão se tornasse num documentário?
Gina:
“Ele chamou-me para produzir a sua ultima sessão fotográfica como modelo feminino. Conversamos sobre o que se estava a passar, como a sua mãe o apoiou quando ele lhe contou. E eu disse-lhe que talvez ele pudesse continuar a trabalhar como modelo mas desta vez como modelo masculino e até podíamos fazer uma sessão fotográfica nessa altura. Quando fui para casa fiquei a pensar nisto e pensei que seria fantástico documentar esta historia. Mas para isso teria que documentar todo o processo e isso seria um pouco invasão de privacidade. Mas depois de pensar nisso ele aceitou. Tive que preparar tudo em menos de 3 semanas porque ele ia começar as injecções de testosterona em 3 semanas. Isto foi à 4 anos.”
Krow:
“No inicio apenas queríamos que o filme passasse em escolas e hospitais para ajudar a educar as pessoas no processo e ajudar as crianças, professores e pais. Mas agora está a chegar a uma audiência muito maior e isso é fantástico.”
Um dos grandes problemas em relação à transição e tudo o que isso implica é a falta de informação junto ao grande publico que, infelizmente, se alarma quando a palavra transgênero aparece ou quando há noticias falsas e sensacionalistas em relação assunto. Documentários como estes são essenciais para informar e educar.
Gina:
“Este assunto é algo muito privado por isso eu falei com o Krow e disse-lhe se ele estava preparado para isso. Porque eu vou fazer perguntas sobre isto e aquilo e ele mesmo assim disse que sim.! Mesmo a tocar em momentos tão pessoais como tentativas de suicídio por exemplo. Mas é uma historia com a qual muita gente vai simpatizar. Lida com momentos de perda total de esperança, onde não há para onde ir ou fugir e de repente existem estes faróis de luz que demonstram que é possível ser-se feliz.”
Krow:
“A maioria das pessoas sente-se confortável na sua própria pele e outras pessoas não. É como se estivesses a olhar para uma parte do teu corpo e pensasses “credo!” agora imagina isso mas em relação a 100% do teu corpo. É isso que sente uma pessoa transgénero. Agora há muito mais informação online principalmente em termos médicos sobre o que é preciso e possível fazer. Há pessoas transgénero a falar do seu processo. Tudo isso serve para ajudar não só quem está passar pela transição como também para quem tem um amigo ou familiar e que se quer informar mais para conseguir ajudar e dar apoio.”
O que mais alarma quando se fala na juventude transgênero é na ligação com a saúde mental e no alto risco de suicídio.
Gina:
“A saúde mental está muito ligada à comunidade transgénero. Podias ver a ansiedade no Krow antes de ele começar a transição e à medida que as semanas e meses passaram ele estava visivelmente a ficar mais feliz. Porque ele estava a se TRANSformar na pessoa que realmente é. Consegues imaginar teres que viver sendo quem não és? E existem pessoas que não querem que eles sejam felizes, querem que eles sejam miseráveis ao ponto, em casos extremos, de cometer suicídio. E em vez de pregarem esse discurso de ódio, vejam o filme e eduquem-se. Este filme existe exactamente para isso!”
Portugal aprovou recentemente uma lei que deixa com que os jovens transgêneros passem a ser chamados pelo nome que escolheram enquanto ainda estão em processo de transição. Uma medida também aprovada no Canadá. Mesmo causando polémica a realizadora fala-nos da importância da aceitação nas escolas:
Gina:
“Muitos jovens e crianças desistem da escola como por exemplo o Kas (músico), a escola foi terrível para ele. Sentar-se na sala de aula todos os dias e ser chamado pelo seu nome feminino com o qual ele não se identifica é como ter navalhas na pele.”
Kas e a sua querida Emily Seal são a outra historia neste documentário. Uma historia de amor romântico com um cenas emocionantes, como o casamento. As suas musicas reflectem não só esse amor mas também os obstáculos.
Krow:
“A historia deles é tão bonita! O facto do Kas ter encontrado alguém que realmente o aceita e o ama… Que o apoiou durante tudo o que ele passou, ainda antes do casamento e quão felizes eles são depois que se casaram é simplesmente lindo!”
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Suporte e compreensão são fundamentais e a mãe de Krow teve um papel importantíssimo na transição. O documentário mostra cenas ternas como no natal ela oferece-lhe um quadro onde se pode ver a mãe a dar a mão a um menino. Krow esconde-se por detrás do quadro e nós não conseguimos ver a sua reação porém, eu fiz questão de lhe perguntar quando falamos da sua mãe.
Krow:
“Estou tão orgulhoso dela! (lágrimas) Foi ela quem me criou e educou e não poderia estar mais orgulhoso por ela ser este exemplo para os pais que estejam a passar pelo mesmo.(em relação ao quadro) Senti que finalmente existia uma foto minha quando era pequeno que mostrava como eu realmente sou (mais lágrimas) finalmente uma foto com que eu me pudesse identificar e conectar. Foi bastante emocional!”
O que mais inspira neste documentário, para além da coragem, é o facto de a historia “terminar” num circulo completo. Krow que começa como modelo feminino acaba por se tornar um modelo masculino internacional pisando as passerelles de grandes marcas como Louis Vuitton. Inspirador!
Gina:
“Absolutamente! Mudar o teu género não deveria afectar a tua vida ou o teu trabalho. Não deverias desistir dos teus sonhos só porque mudaste um aspecto do teu ser.”
Krow:
“Eu preciso de ser eu para poder ser feliz.”
Não poderia terminar esta entrevista com uma melhor frase! Foi um privilégio poder conversar com este elenco que expira felicidade e boa disposição. Desde Gina, que se tornou numa realizadora aos cinquenta e dois anos, a Krow que não perdeu a carreira dele e que agora acompanhamos nas redes sociais a viajar pelo mundo a fazer aquilo que mais ama. Das coisas que mais me impressionou foi ver fotos dele enquanto modelo feminino e ver a falta de luz nos seus olhos ao contrário de hoje, que irradiam felicidade.